O que ninguém te conta sobre começar do zero

Insights que tive ao virar estagiária quase aos 30 anos

Virginia Valbuza
6 min readJul 28, 2022
Imagem de um jogo de tabuleiro, com o foco em um pino laranja em específico. Abaixo dele, um círculo onde se lê “start”
Photo by Lukasz Grudzien on Unsplash

Sabe aquelas histórias sobre a pessoa que largou tudo para correr atrás dos próprios sonhos, que tanto nos inspiram? Aquela tal máxima do “começar do zero” que parece tão intimidadora e, ao mesmo tempo, incrivelmente tentadora?

Tenho certeza de que, assim como eu, você também já se deparou com um caso desse tipo. “Fulana começou do zero em uma nova carreira e hoje é referência na área” ou “ciclana deixou tudo para trás e foi viajar o mundo” são frases que, de alguma forma, ressoam fundo na gente.

Afinal, não parece incrível ir atrás dos próprios sonhos?

Sempre me nutri de frases ou histórias como essa, ansiando pelo momento em que eu também chutaria o pau da barraca e começaria algo do zero. Sempre quis ter essa coragem de “largar tudo” e correr atrás do que me move, mas nunca pensei que seria possível. Nunca imaginei que pudesse ser essa pessoa.

Até que, em dado dia, eu me vi pedindo demissão do meu trabalho de longa data e abrindo mão de seus benefícios maravilhosos para começar em uma nova carreira. Sem qualquer experiência prévia ou segurança do que estava fazendo, eu simplesmente larguei a estabilidade que tinha e me tornei estagiária, aos 28 anos.

E foi assim que, meio do nada, eu chutei o pau da barraca. Eu consegui “largar tudo” e começar outra carreira. Eu enfim tive coragem para ser essa pessoa.

Imagem GIF do artista Harry Styles, do seu clipe de As It Was. Ele veste um macacão vermelho brilhante e faz movimentos descontraídos de dança, tanto em um ambiente interno como externo.
Como me senti depois da demissão

E sabe qual é o grande catch da minha história? O grande segredo desse trem de que eu abri mão da segurança e comecei do zero em outra carreira?

É que é tudo uma grande mentira.

O pulo do gato

Sinto muito, mas as coisas nem sempre são o que parecem. E, depois de tantas ilusões sobre se jogar no desconhecido e “começar do zero”, percebi que é melhor ser sincerona e te contar o que normalmente ninguém fala sobre esse processo.

Largando, mas não tudo

Sim, eu larguei meu trabalho CLT para virar estagiária e isso é mesmo um tanto assustador. Mas sabe o que me fez tomar essa decisão? É que, tirando a questão dos benefícios, a bolsa de estágio não estava tão distante assim do que costumava ser meu antigo salário.

Aliás, só aceitei me aventurar em uma nova carreira por conta disso. Por mais que o frio na barriga fosse grande, eu sabia que, pelo menos, teria meu dinheirinho no bolso.

Mas repare: se eu te digo que troquei um trabalho por outro e nada mais, que graça isso tem? Se sou honesta e falo que teria continuado infeliz no antigo emprego se a grana não compensasse, não tem o mesmo efeito.

Nem tão instável assim

Eu não tinha experiência nenhuma na minha nova área de trabalho, e isso gera mesmo uma insegurança desgraçada.

E foi por isso que só me permiti trocar de carreira quando meu companheiro já estava estabilizado em seu trabalho, com a certeza do salário no começo do mês. Afinal, se tudo desse errado nessa nova empreitada, ao menos as contas continuariam em dia.

Além disso, diferente daquelas histórias em que a pessoa joga tudo pro alto e depois vai atrás dos seus planos, eu só tive coragem de pedir as contas quando a nova empresa me deu uma data de início.

Emendar um trabalho no outro: nada mais adulto e sem graça do que isso.

Correndo atrás do que dá

Queria poder dizer que quase arranquei os cabelos de nervoso na hora da minha entrevista porque esta era a chance de ir atrás da minha carreira dos sonhos. Juro. Mas, já que estamos abrindo o jogo, não posso contar uma mentira como essa.

A real é que, mais do que minha identificação pela área, o que me conquistou nesse trabalho foi a possibilidade de crescer na carreira e poder trampar do conforto da minha casa. Sério mesmo.

Mas o que tem mais apelo: Dizer que eu agarrei a oportunidade dos meus sonhos ou que eu só não estava mais afim de sair de casa?

Imagem GIF do programa Law & Order, onde um homem branco e careca dá um sorriso sem graça e joga a cabeça para lado

Até queria que meu caso fosse mega inspirador e emocionante, mas é tudo bem mais sem graça do que parece. Nem eu me senti cativada por ele, pra ser sincera.

E confesso que, depois dessa minha experiência, foi inevitável olhar para esse tipo de história com outros olhos.

Afinal, será que outros relatos também não deram uma embelezada aqui e ali para não falar da parte ruim disso tudo?

Monotonia não gera like

Talvez isso seja um pouco frustrante de descobrir, mas até mesmo processos de rupturas e recomeços são mais tediosos do que parecem. Eles envolvem mais frustrações e murros em ponta de faca do que aquela emoção gostosa que tanto nos cativa nas redes sociais.

Só que é aquilo, né. Falar a real não costuma ser tão empolgante assim e, em tempos de like e engajamento, somos condicionados a deixar tudo meio embrulhado para presente.

Nessa era digital, vale tudo para capturar a atenção da galera. Inclusive deixar a humanidade de lado de vez em quando.

Penso que, às vezes, aquela pessoa que “largou tudo para viajar o mundo” não largou tudo assim. Talvez ela já tinha um puta pé de meia guardado, imóvel ou veículo próprio e, de alguma forma, tudo isso contribuiu pra que ela corresse atrás dos seus objetivos. Mas parece que, ao citar que você já tinha o mínimo de estrutura quando começou sua jornada, você se mostra humano demais. E aí já não tem a mesma emoção.

As histórias vão ganhando o mesmo contorno e, de repente, tudo é sobre sacrifício e superação. Deixamos a fragilidade de lado e nos tornamos super-humanos, trilhando caminhos tortuosos numa verdadeira epopeia que nem sempre condiz com a realidade.

A real é que começar algo novo também pode ser um tanto chato e tedioso. Correr atrás dos nossos sonhos tem muito mais baixos que altos, e nem sempre temos contato com relatos que, de fato, estão dispostos a nos falar isso. E, principalmente, nem sempre o “começar do zero” é tão “do zero” assim.

E quer saber? Está tudo bem.

O que quero dizer com tudo isso?

As redes sociais nos bombardeiam o tempo todo de pessoas que fizeram coisas grandiosas e vivem vidas grandiosas — diferente da gente.

Não parece até que geral está dando uma reviravolta na própria vida e, enquanto isso, nós estamos estagnados?

Mas e aí que tá: não estamos estagnados. Não mesmo. Só é mais difícil perceber isso porque a vida real não é feita de dancinha de 30 segundos e nem de filtros conceituais.

No fim, está tudo bem se você não “começou do zero”. De verdade. E, se você também não “largou tudo” em nenhum momento, não tem problema. Sua história não deixa de ser bonita e emocionante só porque você seguiu uma linearidade diferente.

O que me fica dessa experiência é que: o importante mesmo é fazer os trem do seu próprio jeito, sem se preocupar se o seu começo está no zero ou não.

Porque, no fundo, o de muita gente também não está — eles só preferem não te contar essa parte.

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Virginia Valbuza

Escritora, artista e feminista. Sereia nas horas vagas. Conheça minha newsletter: https:/virginiavalbuza.substack.com/