A (in)utilidade da vida

Virginia Valbuza
2 min readFeb 9, 2022

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“Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil?”, pergunta Ailton Krenak.

E é nisso também que ando pensando desde que concluí seu último livro. Afinal, por que é preciso ser útil? E de onde vem essa insistência em tratar a existência como algo utilitário?

Isso me pega principalmente em momentos como este, em que me vejo presa numa rotina exaustiva que só tem mais do mesmo. Acordar, trabalhar, comer, me preparar pro expediente seguinte, repetir. É inevitável me questionar: o propósito da vida é mesmo mais do que isso? Ou eu não estou sabendo encontrá-lo?

Mas veja como o sistema é cretino nessas horas: ele quem estabelece essa lógica alienante de trabalho e, ao mesmo tempo, é ele também quem te vende a ideia de que é preciso fazer mais e mais com seu tempo livre. Encontrar um propósito se torna essa necessidade de achar uma utilidade pro nosso tempo aqui na Terra. E, claro, o capitalismo tá sabendo muito bem como lucrar em cima disso.

A vida vai se tornando um check list de grandes realizações a serem cumpridas e, só pra ajudar, a dinâmica atual da sociedade só te apressa ainda mais a fazer essa tarefa. As redes sociais vão te mostrando pessoas que já riscaram várias coisas de suas listas e, no fim, só você é quem não consegue fazer o mesmo. É frustrante se ver estagnada nessa jornada, e é pior ainda pensar ser a única assim.

Mas talvez a vida não precise ser lista nenhuma. Talvez nem precise realmente de propósito ou utilidade. Talvez só precise mesmo é de fruição e naturalidade, como já o é para tantas outras espécies. E acho que esse é o grande problema: uma vida sem utilidade é livre pra simplesmente ser. E um sistema que depende de nossa exploração não nos permitiria tal grau de libertação.

É difícil derrubar uma lógica tão bem construída — inclusive internamente. É difícil também se ver sendo só mais uma peça nessa máquina de moer gente que é o capitalismo. Mas quer saber? Ainda assim vale a pena ir contra a corrente. Ainda vale sim lutar contra esse sistema em busca da nossa emancipação. Afinal, a vida pode não ser útil, mas, com certeza, é uma eterna luta.

Então lutemos pela libertação. E pelo direito à não utilidade também.

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Virginia Valbuza

Escritora, artista e feminista. Sereia nas horas vagas. Conheça minha newsletter: https:/virginiavalbuza.substack.com/